Ninguém mandou não estudar!
Acordo, não tenho trabalho, procuro trabalho, quero trabalhar.
O cara me pede o diploma, não tenho diploma, não pude estudar.
E querem que eu seja educado, que eu ande arrumado, que eu saiba falar.
Aquilo que o mundo me pede não é o que o mundo me dá!
Vini Oliveira
Retirado de: https://www.facebook.com/vinioliveiracharges/photos/a.655071651263622.1073741828.654489914655129/752849401485846/?type=3
O cara me pede o diploma, não tenho diploma, não pude estudar.
E querem que eu seja educado, que eu ande arrumado, que eu saiba falar.
Aquilo que o mundo me pede não é o que o mundo me dá!
Vini Oliveira
Retirado de: https://www.facebook.com/vinioliveiracharges/photos/a.655071651263622.1073741828.654489914655129/752849401485846/?type=3
Socialismo ou barbárie
"Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem." (Bertolt Brecht)
"Vivemos numa geração de adultos doentes que querem que nossas crianças sejam saudáveis!" (Jessica Siqueira)
Imagem: Vini Oliveira
Retirado de: https://www.facebook.com/vinioliveiracharges/photos/a.655071651263622.1073741828.654489914655129/746170902153696/?type=3&theater
"Vivemos numa geração de adultos doentes que querem que nossas crianças sejam saudáveis!" (Jessica Siqueira)
Imagem: Vini Oliveira
Retirado de: https://www.facebook.com/vinioliveiracharges/photos/a.655071651263622.1073741828.654489914655129/746170902153696/?type=3&theater
A desumanização do humano
![Picture](/uploads/2/6/3/9/26394637/627927210.jpg?914)
Por Nara Nubia Ribeiro
Acordo sempre bem cedo e, por força da necessidade de me ver integrada ao mundo em que vivo, ligo a tv e abro o notebook, enquanto a água ferve para o café da manhã:
“Milhares de crianças na Nigéria foram mortas, raptadas ou expostas a violência inimaginável (nota da Unicef).” Mudo de site: “Mulher tem os olhos perfurados pelo marido durante discussão do casal”. Outro site notícia: “Adolescente é apedrejado por populares após ser pego ao tentar furtar um aparelho celular”. Abro o Facebook: “Carta aberta de Mia Couto ao Presidente da África do Sul sobre o genocídio de moçambicanos naquele país”. Na tv: “Naufrágio no mediterrâneo pode ter causado centenas de mortes de imigrantes”.
Ainda sem conseguir mensurar a quantidade de dor a que fui exposta logo no início do dia, resolvo, já com olhos embaçados e voz embargada, comprar o meu pão. A caminho da padaria, deparo-me com uma senhora que dorme na calçada abraçada a uma criança, ambas cobertas por um imundo cobertor. Como se não bastasse a cena em si, um senhor bem vestido e seguramente muito apressado quase nelas tropeça e reverbera: “Desgraça! Trabalhar não quer, não… Fica aí entulhando a rua”.
Perco o chão e me sinto petrificada ao observar, na gravidade de tudo o que vi nos noticiários e agora bem diante de mim, naquela cena, o paradoxo de viver, na era áurea dos direitos, a flagrante desumanização do humano.
Tratados e Acordos Internacionais estabelecem que dados direitos são preciosidades inalienáveis de cada um dos humanos. O Direito Constitucional de cada Estado traz ao seu ordenamento interno garantias a esses direitos que são diretamente ligados aos ditos “direitos naturais”, compreendendo o direito à vida, à integridade física, ao respeito à dignidade de cada ser humano.
Mas a sociedade, que bem sabe evocar as leis quando é colocado em xeque algum de seus direitos patrimoniais, vale-se de um mecanismo muito sutil para mentalmente subverter os valores que ela própria instituiu. Ela hierarquiza os seres humanos valendo-se de indicadores diversos, mas preponderantemente econômicos, de modo que quanto mais alto alguém esteja na dita “pirâmide social”, mais humano ele seja e o quanto mais baixo estiver, menos humano ele é. Ocorre, então, a desumanização do humano.
E, se não é humano, é considerado indigno de ser protegido pelos direitos inerentes à nossa espécie, momento em que tantos enxergam como legítimos atos de absoluta barbárie.
Esse método já é antigo. Europeus, em pleno “século das luzes”, equipararam indígenas americanos a animais, dizimando-os. Equipararam também a animais ou a “coisas” os africanos, escravizando-os.
Na tentativa de legitimar toda a sorte de maus tratos à mulher, religiosos, na Idade Média, travaram severas discussões: a mulher teria ou não teria uma alma?
Para algumas religiões, aqueles que professam a sua fé são filhos, os demais, meras criaturas de Deus. Ora, se não são filhos de Deus, se não possuem filiação e proteção divinas, caso recusem a fé que tanto estimam são hostilizados e havidos como inferiores. Por vezes a inferioridade é tamanha que as suas existências ofendem os “santos corações religiosos”, que reagem com torturas e homicídios. Quem não leu sobre as cruzadas, as inquisições e tantas outras de mortes por motivação religiosa no curso da História e na atualidade?
É na desumanização do homem que se apoia o genocídio, tanto no passado quanto nos dias de hoje. Na visão fanática que deu ao nazismo contornos similares ao fanatismo religioso, os judeus nada mais eram que porcos a serem sangrados para a higienização do planeta; e assim o fizeram com esmerado sadismo, legando à humanidade a vergonha do holocausto.
É fácil perceber as incongruências históricas no tocante ao desrespeito aos Direitos Humanos e, não raro, envergonhamo-nos de nossos antepassados. Contudo, devemos estar atentos, pois raro, sim, é a sociedade conseguir enxergar as mazelas do seu próprio tempo.
Contudo, devemos estar atentos, pois raro, sim, é a sociedade conseguir enxergar as mazelas do seu próprio tempo.
Hoje, a passividade com que vemos a segregação dos negros, a discriminação dos pobres, o desprezo aos imigrantes, a demonização do infrator, a subjugação da mulher, a estigmatização de homossexuais, o desrespeito às comunidades indígenas e a perseguição de religiões e cultos diversos (no Brasil, especialmente às religiões de origem africana) condena-nos a todos.
Aquele que se conforma com a injustiça é tão injusto quanto aquele que a pratica. Somos coautores da miséria moral de um tempo onde o sangue francês vale lágrimas e comoção de todo o mundo (e vale mesmo), enquanto o sangue de centenas de africanos se derrama anônimo, embora o derramamento se dê pela mesma motivação religiosa e sob o mesmo discurso de desumanização.
Ontem, ao ler os comentários acerca da xenofobia e do genocídio que vitimam moçambicanos na África do Sul, uma adolescente moçambicana comentou: “o nosso único pecado é sermos miseráveis”. Sim, ela entendeu o mecanismo: desumanizamos o pobre culpando-o por sua pobreza. Na visão doentia de muitos, ele é um estorvo. Um nada. “É um entulho na calçada do mundo”, diria o moço apressado que quase tropeçou na senhora e na criança que dormiam na rua.
Sim, é nesses pobres a quem desumanizamos que tropeça a hipocrisia de uma pseudocivilização de Direitos. É neles que tropeça a religiosidade ociosa e o fanatismo sádico. Neles tropeça a nossa política não inclusiva e o nosso capitalismo: sempre cego a quem não lhe mostrar os cifrões.
É junto a esses pobres mendigos a quem roubamos o direito de ser gente que se entulham também o humano que somos e a consciência que renegamos.
Disponível em: http://www.raizesjornalismocultural.com/portalraizes/index.php/secoes/politica/345-a-desumanizacao-do-humano
Acordo sempre bem cedo e, por força da necessidade de me ver integrada ao mundo em que vivo, ligo a tv e abro o notebook, enquanto a água ferve para o café da manhã:
“Milhares de crianças na Nigéria foram mortas, raptadas ou expostas a violência inimaginável (nota da Unicef).” Mudo de site: “Mulher tem os olhos perfurados pelo marido durante discussão do casal”. Outro site notícia: “Adolescente é apedrejado por populares após ser pego ao tentar furtar um aparelho celular”. Abro o Facebook: “Carta aberta de Mia Couto ao Presidente da África do Sul sobre o genocídio de moçambicanos naquele país”. Na tv: “Naufrágio no mediterrâneo pode ter causado centenas de mortes de imigrantes”.
Ainda sem conseguir mensurar a quantidade de dor a que fui exposta logo no início do dia, resolvo, já com olhos embaçados e voz embargada, comprar o meu pão. A caminho da padaria, deparo-me com uma senhora que dorme na calçada abraçada a uma criança, ambas cobertas por um imundo cobertor. Como se não bastasse a cena em si, um senhor bem vestido e seguramente muito apressado quase nelas tropeça e reverbera: “Desgraça! Trabalhar não quer, não… Fica aí entulhando a rua”.
Perco o chão e me sinto petrificada ao observar, na gravidade de tudo o que vi nos noticiários e agora bem diante de mim, naquela cena, o paradoxo de viver, na era áurea dos direitos, a flagrante desumanização do humano.
Tratados e Acordos Internacionais estabelecem que dados direitos são preciosidades inalienáveis de cada um dos humanos. O Direito Constitucional de cada Estado traz ao seu ordenamento interno garantias a esses direitos que são diretamente ligados aos ditos “direitos naturais”, compreendendo o direito à vida, à integridade física, ao respeito à dignidade de cada ser humano.
Mas a sociedade, que bem sabe evocar as leis quando é colocado em xeque algum de seus direitos patrimoniais, vale-se de um mecanismo muito sutil para mentalmente subverter os valores que ela própria instituiu. Ela hierarquiza os seres humanos valendo-se de indicadores diversos, mas preponderantemente econômicos, de modo que quanto mais alto alguém esteja na dita “pirâmide social”, mais humano ele seja e o quanto mais baixo estiver, menos humano ele é. Ocorre, então, a desumanização do humano.
E, se não é humano, é considerado indigno de ser protegido pelos direitos inerentes à nossa espécie, momento em que tantos enxergam como legítimos atos de absoluta barbárie.
Esse método já é antigo. Europeus, em pleno “século das luzes”, equipararam indígenas americanos a animais, dizimando-os. Equipararam também a animais ou a “coisas” os africanos, escravizando-os.
Na tentativa de legitimar toda a sorte de maus tratos à mulher, religiosos, na Idade Média, travaram severas discussões: a mulher teria ou não teria uma alma?
Para algumas religiões, aqueles que professam a sua fé são filhos, os demais, meras criaturas de Deus. Ora, se não são filhos de Deus, se não possuem filiação e proteção divinas, caso recusem a fé que tanto estimam são hostilizados e havidos como inferiores. Por vezes a inferioridade é tamanha que as suas existências ofendem os “santos corações religiosos”, que reagem com torturas e homicídios. Quem não leu sobre as cruzadas, as inquisições e tantas outras de mortes por motivação religiosa no curso da História e na atualidade?
É na desumanização do homem que se apoia o genocídio, tanto no passado quanto nos dias de hoje. Na visão fanática que deu ao nazismo contornos similares ao fanatismo religioso, os judeus nada mais eram que porcos a serem sangrados para a higienização do planeta; e assim o fizeram com esmerado sadismo, legando à humanidade a vergonha do holocausto.
É fácil perceber as incongruências históricas no tocante ao desrespeito aos Direitos Humanos e, não raro, envergonhamo-nos de nossos antepassados. Contudo, devemos estar atentos, pois raro, sim, é a sociedade conseguir enxergar as mazelas do seu próprio tempo.
Contudo, devemos estar atentos, pois raro, sim, é a sociedade conseguir enxergar as mazelas do seu próprio tempo.
Hoje, a passividade com que vemos a segregação dos negros, a discriminação dos pobres, o desprezo aos imigrantes, a demonização do infrator, a subjugação da mulher, a estigmatização de homossexuais, o desrespeito às comunidades indígenas e a perseguição de religiões e cultos diversos (no Brasil, especialmente às religiões de origem africana) condena-nos a todos.
Aquele que se conforma com a injustiça é tão injusto quanto aquele que a pratica. Somos coautores da miséria moral de um tempo onde o sangue francês vale lágrimas e comoção de todo o mundo (e vale mesmo), enquanto o sangue de centenas de africanos se derrama anônimo, embora o derramamento se dê pela mesma motivação religiosa e sob o mesmo discurso de desumanização.
Ontem, ao ler os comentários acerca da xenofobia e do genocídio que vitimam moçambicanos na África do Sul, uma adolescente moçambicana comentou: “o nosso único pecado é sermos miseráveis”. Sim, ela entendeu o mecanismo: desumanizamos o pobre culpando-o por sua pobreza. Na visão doentia de muitos, ele é um estorvo. Um nada. “É um entulho na calçada do mundo”, diria o moço apressado que quase tropeçou na senhora e na criança que dormiam na rua.
Sim, é nesses pobres a quem desumanizamos que tropeça a hipocrisia de uma pseudocivilização de Direitos. É neles que tropeça a religiosidade ociosa e o fanatismo sádico. Neles tropeça a nossa política não inclusiva e o nosso capitalismo: sempre cego a quem não lhe mostrar os cifrões.
É junto a esses pobres mendigos a quem roubamos o direito de ser gente que se entulham também o humano que somos e a consciência que renegamos.
Disponível em: http://www.raizesjornalismocultural.com/portalraizes/index.php/secoes/politica/345-a-desumanizacao-do-humano
A MINHA, A SUA, A NOSSA... CRISE INSIDE
Por Renato Manzano
A tal crise, a tão falada crise, palavra maldita da qual ninguém mais aguenta falar, sobre a qual e para a qual dezenas de iludidos ou ingênuos singelos ou aproveitadores espertalhões ou ainda "especialistas" caras-de-pau sem o menor fundamento, discorrem e apresentam soluções miraculosas em dez tópicos, todos os dias, por e-mail marketing, nos jornais e na TV e pelas redes sociais, pois bem, essa "crise" não é causa de nada, é consequência de dezenas, centenas de causas prováveis, contributivas e fundamentais, como diria Ishikawa. Ou o sinal dos tempos, como diria o profeta apocalíptico.
Ela decorre de uma sociedade cujo espírito foi devorado pelo imediatismo consumista, cuja primeira vítima é a alma e não o bolso. Decorre do crime social organizado travestido de partidos políticos, instâncias, organizações "sem fins lucrativos" ou empresas, todas devidamente corrompidas. De um sistema financeiro mundial que tem como único objetivo concentrar a "riqueza" na mão de poucos, não importa se ela venha do trabalho honesto, da lavagem de dinheiro do tráfico de drogas, das armas vendidas para combater o tráfico ou para fortalecê-lo, do ódio entre as nações, da cura ou da doença, do desenvolvimento ou do atraso, da democracia ou da ditadura, da liberdade ou da opressão, do alívio ou do medo, enfim, contanto que dê lucro, muito lucro, de forma rápida, fria, pragmática e abundante, ainda que crudelíssima, ainda que cause câncer, obesidade infantil ou fetos disformes inundados em talidamida.
Ora, o que se pode esperar de um sistema que alimenta bandidos como esses que invadem, se apropriam e se perpetuam nos três poderes podres do nosso país, por exemplo? O que esperar dos nauseantes líderes locais, nacionais e globais que temos nos dias de hoje? O que esperar de uma cultura que julga ser tolice e fraqueza falar de coração, alma, sentimentos, espiritualidade e bondade - que são apenas e tão somente as partes vitais constituintes do que venha a ser o humano? Assim, o que esperar de uma sociedade, portanto, desumana por definição, cheia de rancor, de medo, de egoísmo e puerilidade, senão a maldita crise? A crise da desigualdade, da violência, do medo, do ego, da fome, da dúvida, da guerra, da tolice, da balbúrdia e da Petrobras?
Mas eu me assusto mesmo quando a pergunta se aproxima ainda mais: o que esperar dos nossos concidadãos, dos nossos vizinhos, dos nossos amigos e familiares; o que esperar de mim e de você?
E eu me apavoro, aí sim, quando penso: o que as nossas inocentes crianças devem esperar de nós? Nós que criticamos tanto o sistema e de um modo ou de outro caímos diariamente em suas sutís ou nem tanto armadilhas, que o perpetuamos e o fazemos crescer por covardia, estupidez, medo ou desesperança?
Essa e nenhuma outra é a Crise real dos nossos tempos. Ela está dentro de nós e quando se materializa como um furacão feito da somatória de pequenos ou grandes ventos, nós e os nossos entes queridos somos suas primeiras vítimas, não importa quanto dinheiro você tenha guardado, não importa o quanto você tenha pedido a Deus. Você, eu e os outros estamos em crise, seja ela qual for.
A tal crise, a tão falada crise, palavra maldita da qual ninguém mais aguenta falar, sobre a qual e para a qual dezenas de iludidos ou ingênuos singelos ou aproveitadores espertalhões ou ainda "especialistas" caras-de-pau sem o menor fundamento, discorrem e apresentam soluções miraculosas em dez tópicos, todos os dias, por e-mail marketing, nos jornais e na TV e pelas redes sociais, pois bem, essa "crise" não é causa de nada, é consequência de dezenas, centenas de causas prováveis, contributivas e fundamentais, como diria Ishikawa. Ou o sinal dos tempos, como diria o profeta apocalíptico.
Ela decorre de uma sociedade cujo espírito foi devorado pelo imediatismo consumista, cuja primeira vítima é a alma e não o bolso. Decorre do crime social organizado travestido de partidos políticos, instâncias, organizações "sem fins lucrativos" ou empresas, todas devidamente corrompidas. De um sistema financeiro mundial que tem como único objetivo concentrar a "riqueza" na mão de poucos, não importa se ela venha do trabalho honesto, da lavagem de dinheiro do tráfico de drogas, das armas vendidas para combater o tráfico ou para fortalecê-lo, do ódio entre as nações, da cura ou da doença, do desenvolvimento ou do atraso, da democracia ou da ditadura, da liberdade ou da opressão, do alívio ou do medo, enfim, contanto que dê lucro, muito lucro, de forma rápida, fria, pragmática e abundante, ainda que crudelíssima, ainda que cause câncer, obesidade infantil ou fetos disformes inundados em talidamida.
Ora, o que se pode esperar de um sistema que alimenta bandidos como esses que invadem, se apropriam e se perpetuam nos três poderes podres do nosso país, por exemplo? O que esperar dos nauseantes líderes locais, nacionais e globais que temos nos dias de hoje? O que esperar de uma cultura que julga ser tolice e fraqueza falar de coração, alma, sentimentos, espiritualidade e bondade - que são apenas e tão somente as partes vitais constituintes do que venha a ser o humano? Assim, o que esperar de uma sociedade, portanto, desumana por definição, cheia de rancor, de medo, de egoísmo e puerilidade, senão a maldita crise? A crise da desigualdade, da violência, do medo, do ego, da fome, da dúvida, da guerra, da tolice, da balbúrdia e da Petrobras?
Mas eu me assusto mesmo quando a pergunta se aproxima ainda mais: o que esperar dos nossos concidadãos, dos nossos vizinhos, dos nossos amigos e familiares; o que esperar de mim e de você?
E eu me apavoro, aí sim, quando penso: o que as nossas inocentes crianças devem esperar de nós? Nós que criticamos tanto o sistema e de um modo ou de outro caímos diariamente em suas sutís ou nem tanto armadilhas, que o perpetuamos e o fazemos crescer por covardia, estupidez, medo ou desesperança?
Essa e nenhuma outra é a Crise real dos nossos tempos. Ela está dentro de nós e quando se materializa como um furacão feito da somatória de pequenos ou grandes ventos, nós e os nossos entes queridos somos suas primeiras vítimas, não importa quanto dinheiro você tenha guardado, não importa o quanto você tenha pedido a Deus. Você, eu e os outros estamos em crise, seja ela qual for.
A questão do gênero nos estudos urbanos
A mulher, a cidade e o debate sobre o urbano
retirado de: https://observasp.wordpress.com/2015/09/02/a-mulher-a-cidade-e-o-debate-sobre-o-urbano/
Por Marina Harkot*
Nas últimas décadas, se o cotidiano da mulher brasileira mudou e ela também foi incluída nas relações de trabalho produtivo e externos à casa, os papéis de gênero na dinâmica familiar – fruto de séculos de construção sociocultural – não se alteraram no mesmo ritmo. As responsabilidades referentes ao âmbito doméstico, ao invés de serem compartilhadas entre os membros da família, continuaram recaindo majoritariamente sobre a figura da esposa e mãe – quando é este o caso – e resultam em jornadas duplas ou até mesmo triplas de trabalho externo, administração do lar e cuidado dos filhos.
A entrada massiva da mulher brasileira no mercado de trabalho a partir dos anos 70 coincide com o momento em que o planejamento urbano sob a perspectiva masculina se faz perceber com maior força. Antes principalmente associadas ao espaço doméstico e ao trabalho reprodutivo, as mulheres passaram a vivenciar a cidade de uma forma diferente, mudando sua rotina e aumentando o raio e frequência de seus deslocamentos.
A circulação feminina não é mais restrita aos pequenos trajetos em função das tarefas que lhes são historicamente atribuídas – casa, mercado, feira, comércio local, escola. O binômio casa-trabalho e as dinâmicas em torno dele, fruto do planejamento urbano centrado na vivência masculina, não levam em consideração, por exemplo, as múltiplas pequenas viagens que as mulheres fazem dentro de um único deslocamento (entre sair de casa e chegar ao trabalho) ou mesmo o fato de as taxas relacionadas ao uso, por mulheres, da bicicleta como meio de transporte ou de modos motorizados individuais serem muito inferiores às dos homens – no primeiro caso, elas não se sentem seguras o suficiente para pedalar na cidade, no outro, é o homem quem geralmente monopoliza o uso do carro da família.
Assim, os movimentos feministas passaram a dialogar sobre o espaço construído e a maneira como são planejadas as cidades nas quais estamos vivendo. O debate sobre o espaço que a mulher ocupa na cidade não é novo – embora provavelmente tenha sido potencializado pela atenção que a temática urbana ganhou nos últimos anos, em conjunto com mudanças observadas nos meios de acesso à informação e a facilidade de articulação via redes sociais. A tais fatores soma-se o avanço trazido pela criação de órgãos transversais, tais como a Secretaria de Políticas para Mulheres, cuja agenda também inclui o olhar atento sobre a formulação e execução de todas as políticas públicas, a fim de que a promoção da igualdade entre os gêneros esteja sempre em pauta.
Hoje, grupos de mulheres articulam suas demandas em torno de pontos relevantes da gestão pública, tais como iluminação (bastante associada à segurança pública), desenho de linhas de ônibus que sirvam também para acessar comércio e serviços (e não apenas ligar a casa ao trabalho), a luta por maior oferta de vagas em creches e jornada escolar em período integral, entre outras. Além disso, o que estamos percebendo recentemente é a forte articulação contra o assédio de rua e o assédio no transporte público, naturalizados e vistos como algo “que faz parte da cultura latina”, mas que não apenas intimidam e invadem as mulheres como também as fazem repensar seus trajetos para desviar de certos caminhos, impedindo-as de circular por certos lugares e literalmente negando seu direito de ocupar e vivenciar a cidade em sua totalidade.
Parte da população ainda reproduz um discurso que questiona o “direito” da mulher em, por exemplo, andar desacompanhada à noite pela cidade e culpabiliza as vítimas de estupro, associando os ataques ao comprimento das suas roupas e por simplesmente circularem pelas ruas. Diante disso, os movimentos feministas no contexto urbano reclamam acesso integral para as mulheres a tudo o que a cidade tem a oferecer. Para tal, é essencial que as mulheres sejam ouvidas e participem ativamente no desenho e construção das políticas urbanas – além de refletir sobre os papéis que cada gênero desempenha, buscando também desconstruí-los.
Além disso, quando falamos em mudanças culturais, é necessário incluir a dimensão da educação nas ações e políticas públicas, a fim de que o tema possa ser objeto de reflexão desde a infância. Como é possível, afinal, falar no uso que mulheres e homens fazem da cidade e na desconstrução de papéis sociais de gênero sem passar por uma educação que os problematize e questione?
O contexto de crise – e, por que não?, reinvenção – que nossas cidades estão atravessando sinaliza a necessidade de novas maneiras de se pensar o planejamento e a gestão urbana. A sociedade civil se organizando de formas inovadoras e a apropriação pela população da discussão sobre o futuro que se quer para as cidades mostram que existe abertura e necessidade de se incluir a discussão sobre gênero como pauta transversal a todas as políticas. Como falar em combate à violência doméstica ou às desigualdades salariais entre homens e mulheres sem levar em conta que o meio urbano é cenário desses conflitos? Com mais de 80% da população brasileira vivendo em cidades, é evidente que o espaço construído exerce influência fundamental na manutenção ou superação de tal assimetria na relação entre homens e mulheres – e que muito pode se avançar ao se abordar a questão a partir da perspectiva do planejamento e desenho urbanos.
*Marina Harkot é formada em ciências sociais pela USP, trabalha e pesquisa no campo dos estudos urbanos, mobilidade e gênero. Milita por uma cidade mais equânime à qual todos tenham direito.
retirado de: https://observasp.wordpress.com/2015/09/02/a-mulher-a-cidade-e-o-debate-sobre-o-urbano/
Por Marina Harkot*
Nas últimas décadas, se o cotidiano da mulher brasileira mudou e ela também foi incluída nas relações de trabalho produtivo e externos à casa, os papéis de gênero na dinâmica familiar – fruto de séculos de construção sociocultural – não se alteraram no mesmo ritmo. As responsabilidades referentes ao âmbito doméstico, ao invés de serem compartilhadas entre os membros da família, continuaram recaindo majoritariamente sobre a figura da esposa e mãe – quando é este o caso – e resultam em jornadas duplas ou até mesmo triplas de trabalho externo, administração do lar e cuidado dos filhos.
A entrada massiva da mulher brasileira no mercado de trabalho a partir dos anos 70 coincide com o momento em que o planejamento urbano sob a perspectiva masculina se faz perceber com maior força. Antes principalmente associadas ao espaço doméstico e ao trabalho reprodutivo, as mulheres passaram a vivenciar a cidade de uma forma diferente, mudando sua rotina e aumentando o raio e frequência de seus deslocamentos.
A circulação feminina não é mais restrita aos pequenos trajetos em função das tarefas que lhes são historicamente atribuídas – casa, mercado, feira, comércio local, escola. O binômio casa-trabalho e as dinâmicas em torno dele, fruto do planejamento urbano centrado na vivência masculina, não levam em consideração, por exemplo, as múltiplas pequenas viagens que as mulheres fazem dentro de um único deslocamento (entre sair de casa e chegar ao trabalho) ou mesmo o fato de as taxas relacionadas ao uso, por mulheres, da bicicleta como meio de transporte ou de modos motorizados individuais serem muito inferiores às dos homens – no primeiro caso, elas não se sentem seguras o suficiente para pedalar na cidade, no outro, é o homem quem geralmente monopoliza o uso do carro da família.
Assim, os movimentos feministas passaram a dialogar sobre o espaço construído e a maneira como são planejadas as cidades nas quais estamos vivendo. O debate sobre o espaço que a mulher ocupa na cidade não é novo – embora provavelmente tenha sido potencializado pela atenção que a temática urbana ganhou nos últimos anos, em conjunto com mudanças observadas nos meios de acesso à informação e a facilidade de articulação via redes sociais. A tais fatores soma-se o avanço trazido pela criação de órgãos transversais, tais como a Secretaria de Políticas para Mulheres, cuja agenda também inclui o olhar atento sobre a formulação e execução de todas as políticas públicas, a fim de que a promoção da igualdade entre os gêneros esteja sempre em pauta.
Hoje, grupos de mulheres articulam suas demandas em torno de pontos relevantes da gestão pública, tais como iluminação (bastante associada à segurança pública), desenho de linhas de ônibus que sirvam também para acessar comércio e serviços (e não apenas ligar a casa ao trabalho), a luta por maior oferta de vagas em creches e jornada escolar em período integral, entre outras. Além disso, o que estamos percebendo recentemente é a forte articulação contra o assédio de rua e o assédio no transporte público, naturalizados e vistos como algo “que faz parte da cultura latina”, mas que não apenas intimidam e invadem as mulheres como também as fazem repensar seus trajetos para desviar de certos caminhos, impedindo-as de circular por certos lugares e literalmente negando seu direito de ocupar e vivenciar a cidade em sua totalidade.
Parte da população ainda reproduz um discurso que questiona o “direito” da mulher em, por exemplo, andar desacompanhada à noite pela cidade e culpabiliza as vítimas de estupro, associando os ataques ao comprimento das suas roupas e por simplesmente circularem pelas ruas. Diante disso, os movimentos feministas no contexto urbano reclamam acesso integral para as mulheres a tudo o que a cidade tem a oferecer. Para tal, é essencial que as mulheres sejam ouvidas e participem ativamente no desenho e construção das políticas urbanas – além de refletir sobre os papéis que cada gênero desempenha, buscando também desconstruí-los.
Além disso, quando falamos em mudanças culturais, é necessário incluir a dimensão da educação nas ações e políticas públicas, a fim de que o tema possa ser objeto de reflexão desde a infância. Como é possível, afinal, falar no uso que mulheres e homens fazem da cidade e na desconstrução de papéis sociais de gênero sem passar por uma educação que os problematize e questione?
O contexto de crise – e, por que não?, reinvenção – que nossas cidades estão atravessando sinaliza a necessidade de novas maneiras de se pensar o planejamento e a gestão urbana. A sociedade civil se organizando de formas inovadoras e a apropriação pela população da discussão sobre o futuro que se quer para as cidades mostram que existe abertura e necessidade de se incluir a discussão sobre gênero como pauta transversal a todas as políticas. Como falar em combate à violência doméstica ou às desigualdades salariais entre homens e mulheres sem levar em conta que o meio urbano é cenário desses conflitos? Com mais de 80% da população brasileira vivendo em cidades, é evidente que o espaço construído exerce influência fundamental na manutenção ou superação de tal assimetria na relação entre homens e mulheres – e que muito pode se avançar ao se abordar a questão a partir da perspectiva do planejamento e desenho urbanos.
*Marina Harkot é formada em ciências sociais pela USP, trabalha e pesquisa no campo dos estudos urbanos, mobilidade e gênero. Milita por uma cidade mais equânime à qual todos tenham direito.
Modernidade Líquida
“Estamos nos afogando em informação e, ao mesmo tempo, famintos por sabedoria". E. O. Wilson
Em entrevista, Zygmunt Bauman discute as características da modernidade líquida, condição da atual sociedade forjada por relações efêmeras. Segundo ele, o medo de sermos abandonados nos torna aficionados pelas redes sociais, que passam uma falsa ideia de facilidade na construção de relações ao passo que limita a prática ou obtenção de habilidades sociais que ajudariam a diminuir o medo da nāo-aceitaçāo. Outras questões levantadas envolvem o individualismo que caracteriza a geração atual, principalmente no que diz respeito ao alcance da ascensão social e sucesso profissional, onde o ensino superior ao mesmo tempo se faz necessário e insuficiente. Além disso, discute a ideia de que o atual sistema de ensino superior foi incorporado pela economia de mercado capitalista, reproduzindo privilégios entre gerações e exacerbando desigualdades sociais.
retirado de: http://www.fronteiras.com/entrevistas/zygmunt-bauman-a-educacao-deve-ser-pensada-durante-a-vida-inteira
Zygmunt Bauman: "A educação deve ser pensada durante a vida inteira"
"Nosso sistema educacional é um poderoso mecanismo de, cada vez mais, reproduzir os privilégios entre gerações", diz Zygmunt Bauman em entrevista ao jornal O Globo. Criador do conceito demodernidade líquida, forjada pelas relações efêmeras do presente, o célebre filósofo fará uma conferência magna no encontro Educação 360, no dia 12 de setembro, no Rio de Janeiro. Nesta entrevista, ele reflete sobre o aprendizado e os desacertos da sociedade em relação ao ensino. Leia abaixo:
Qual a diferença entre educar na era pré-moderna e na modernidade líquida dos dias atuais?
Zygmunt Bauman: Muita coisa se transformou no trabalho dos professores. Como o educador E. O. Wilson observou, “estamos nos afogando em informação e, ao mesmo tempo, famintos por sabedoria". A cada dia, o volume de novas informações excede milhões de vezes a capacidade do cérebro humano de retê-las. A mudança da sociedade moderna de sólida para um estágio líquido coincide, segundo a terminologia de Byung-Chul Han (teórico sul-coreano), com a passagem da “sociedade da disciplina" para a “sociedade de desempenho". Esta última é, principalmente, a sociedade de desempenho individual e da “cultura de afundar ou nadar sozinho". Mesmo indivíduos emancipados descobrem que eles mesmos não estão à altura das exigências da vida individualizada.
Então, é preciso mudar esse pensamento individualizado?
Zygmunt Bauman: Nosso sistema educacional é um poderoso mecanismo de, cada vez mais, reproduzir os privilégios entre gerações. Nos Estados Unidos, 74% dos estudantes que frequentam as universidades mais competitivas vêm das famílias mais ricas, e 3%, das mais pobres. Além disso, muitas escolas e universidades induzem à fácil ideologia de que empregos bem remunerados são os únicos objetivos da universidade. Esses são apenas uns dos desafios, erros e negligências da educação contemporânea.
E como será no futuro?
Zygmunt Bauman: Uma coisa certa é que, num cenário líquido, rápido e de mudanças imprevisíveis, a educação deve ser pensada durante a vida inteira. O resto vai depender de nossas escolhas dentro do que é possível para essa obrigação. E deixa eu enfatizar que esse “nós" que faz as escolhas não é limitado aos profissionais de educação. Para citar Will Stanton (professor australiano), que nos mantém alerta de que há muitos que pretendem ensinar nossos filhos apenas a obedecer: “Devemos aceitar autoridade como verdade em vez da verdade como autoridade". Ele ainda diz: “O que é a mídia mainstream se não outra plataforma de 'educação' defendendo a autoridade como verdade? Nós sentamos em frente ao noticiário noturno e escutamos âncoras e repórteres nos dizendo o que pensar, a quem apontar nossos dedos, porque nosso país precisa ir para a guerra e com o que a gente deve se horrorizar". Considere ainda o tremendo impacto da indústria da publicidade em nós mesmos ou no que as crianças aprendem ou no que elas foram levadas a esquecer. Por exemplo, crianças não nascem inseguras. A publicidade é que as deixa apavoradas com o que as outras pessoas pensam delas.
O sucesso mundial das redes sociais é um produto da modernidade líquida ou aspecto transformador dela?
Zygmunt Bauman: As duas coisas. Nós estamos seduzidos pelos recursos das mídias digitais por causa do nosso medo de sermos abandonados. Mas uma vez imerso na rede de relações on-line, que tem uma falsa ideia de ser facilmente manuseada, nós perdemos ou não adquirimos habilidades sociais que poderiam (e deveriam) nos ajudar a extirpar as causas dos medos que vêm do mundo off-line. Assim, as redes sociais são, simultaneamente, produto da modernidade líquida e a sua válvula de escape.
O senhor afirma que o fato de a educação superior não garantir mais ascensão social é um problema para a educação tal qual conhecemos. Qual a solução para esse problema?
Zygmunt Bauman: Ascensão social é uma sinfonia, não um canto gregoriano monofônico. A educação superior é apenas um dos muitos sons que se fundem na melodia, e um dos muito poucos instrumentos que contribuem para sua evolução. Nós configuramos o problema e torcemos por soluções, como o ensino superior, porque alguns desses “nós" que se preocupam, pensam e escrevem sobre o problema têm ensino superior e passaram anos sendo ensinadas que vivemos em uma “sociedade do conhecimento" que continua sendo transformada pelo tipo de conhecimento definido, armazenado e distribuído por universidades. Isso não é necessariamente correto — pelo menos até quando isso permanecer sem ressalvas. O que nós percebemos como ascensão social é um rio cuja trajetória resulta de vários afluentes. Mais e mais pessoas por trás das mudanças sociais que chamamos de “ascensão" desistiram da universidade ou nunca entraram nela.
Em seu novo livro, “A riqueza de poucos beneficia todos nós?", o senhor reflete sobre as desigualdades sociais. Qual é o papel da educação nesse contexto?
Zygmunt Bauman: O sistema universitário de hoje foi incorporado pela economia de mercado capitalista. Ele serve como um outro mecanismo na reprodução de privilégios e aprofundamento das desigualdades sociais. Como diz Fareed Zakaria (escritor americano), enquanto um rapaz de 18 anos da Califórnia recebia a melhor educação possível nos anos 60 “sem qualquer custo", no ano passado os alunos precisavam pagar uma taxa de matrícula de US$ 12.972 se tivessem nascido no estado; se não, o valor sobe para US$ 22.878 (sem incluir custo de moradia e alimentação; o valor total do momento da matrícula até o diploma ficaria perto de US$ 50 mil por ano para não residentes). Poucos entre os milhões de pais amorosos e cuidadosos têm possibilidades de garantir um valor dessa magnitude.
Em entrevista, Zygmunt Bauman discute as características da modernidade líquida, condição da atual sociedade forjada por relações efêmeras. Segundo ele, o medo de sermos abandonados nos torna aficionados pelas redes sociais, que passam uma falsa ideia de facilidade na construção de relações ao passo que limita a prática ou obtenção de habilidades sociais que ajudariam a diminuir o medo da nāo-aceitaçāo. Outras questões levantadas envolvem o individualismo que caracteriza a geração atual, principalmente no que diz respeito ao alcance da ascensão social e sucesso profissional, onde o ensino superior ao mesmo tempo se faz necessário e insuficiente. Além disso, discute a ideia de que o atual sistema de ensino superior foi incorporado pela economia de mercado capitalista, reproduzindo privilégios entre gerações e exacerbando desigualdades sociais.
retirado de: http://www.fronteiras.com/entrevistas/zygmunt-bauman-a-educacao-deve-ser-pensada-durante-a-vida-inteira
Zygmunt Bauman: "A educação deve ser pensada durante a vida inteira"
"Nosso sistema educacional é um poderoso mecanismo de, cada vez mais, reproduzir os privilégios entre gerações", diz Zygmunt Bauman em entrevista ao jornal O Globo. Criador do conceito demodernidade líquida, forjada pelas relações efêmeras do presente, o célebre filósofo fará uma conferência magna no encontro Educação 360, no dia 12 de setembro, no Rio de Janeiro. Nesta entrevista, ele reflete sobre o aprendizado e os desacertos da sociedade em relação ao ensino. Leia abaixo:
Qual a diferença entre educar na era pré-moderna e na modernidade líquida dos dias atuais?
Zygmunt Bauman: Muita coisa se transformou no trabalho dos professores. Como o educador E. O. Wilson observou, “estamos nos afogando em informação e, ao mesmo tempo, famintos por sabedoria". A cada dia, o volume de novas informações excede milhões de vezes a capacidade do cérebro humano de retê-las. A mudança da sociedade moderna de sólida para um estágio líquido coincide, segundo a terminologia de Byung-Chul Han (teórico sul-coreano), com a passagem da “sociedade da disciplina" para a “sociedade de desempenho". Esta última é, principalmente, a sociedade de desempenho individual e da “cultura de afundar ou nadar sozinho". Mesmo indivíduos emancipados descobrem que eles mesmos não estão à altura das exigências da vida individualizada.
Então, é preciso mudar esse pensamento individualizado?
Zygmunt Bauman: Nosso sistema educacional é um poderoso mecanismo de, cada vez mais, reproduzir os privilégios entre gerações. Nos Estados Unidos, 74% dos estudantes que frequentam as universidades mais competitivas vêm das famílias mais ricas, e 3%, das mais pobres. Além disso, muitas escolas e universidades induzem à fácil ideologia de que empregos bem remunerados são os únicos objetivos da universidade. Esses são apenas uns dos desafios, erros e negligências da educação contemporânea.
E como será no futuro?
Zygmunt Bauman: Uma coisa certa é que, num cenário líquido, rápido e de mudanças imprevisíveis, a educação deve ser pensada durante a vida inteira. O resto vai depender de nossas escolhas dentro do que é possível para essa obrigação. E deixa eu enfatizar que esse “nós" que faz as escolhas não é limitado aos profissionais de educação. Para citar Will Stanton (professor australiano), que nos mantém alerta de que há muitos que pretendem ensinar nossos filhos apenas a obedecer: “Devemos aceitar autoridade como verdade em vez da verdade como autoridade". Ele ainda diz: “O que é a mídia mainstream se não outra plataforma de 'educação' defendendo a autoridade como verdade? Nós sentamos em frente ao noticiário noturno e escutamos âncoras e repórteres nos dizendo o que pensar, a quem apontar nossos dedos, porque nosso país precisa ir para a guerra e com o que a gente deve se horrorizar". Considere ainda o tremendo impacto da indústria da publicidade em nós mesmos ou no que as crianças aprendem ou no que elas foram levadas a esquecer. Por exemplo, crianças não nascem inseguras. A publicidade é que as deixa apavoradas com o que as outras pessoas pensam delas.
O sucesso mundial das redes sociais é um produto da modernidade líquida ou aspecto transformador dela?
Zygmunt Bauman: As duas coisas. Nós estamos seduzidos pelos recursos das mídias digitais por causa do nosso medo de sermos abandonados. Mas uma vez imerso na rede de relações on-line, que tem uma falsa ideia de ser facilmente manuseada, nós perdemos ou não adquirimos habilidades sociais que poderiam (e deveriam) nos ajudar a extirpar as causas dos medos que vêm do mundo off-line. Assim, as redes sociais são, simultaneamente, produto da modernidade líquida e a sua válvula de escape.
O senhor afirma que o fato de a educação superior não garantir mais ascensão social é um problema para a educação tal qual conhecemos. Qual a solução para esse problema?
Zygmunt Bauman: Ascensão social é uma sinfonia, não um canto gregoriano monofônico. A educação superior é apenas um dos muitos sons que se fundem na melodia, e um dos muito poucos instrumentos que contribuem para sua evolução. Nós configuramos o problema e torcemos por soluções, como o ensino superior, porque alguns desses “nós" que se preocupam, pensam e escrevem sobre o problema têm ensino superior e passaram anos sendo ensinadas que vivemos em uma “sociedade do conhecimento" que continua sendo transformada pelo tipo de conhecimento definido, armazenado e distribuído por universidades. Isso não é necessariamente correto — pelo menos até quando isso permanecer sem ressalvas. O que nós percebemos como ascensão social é um rio cuja trajetória resulta de vários afluentes. Mais e mais pessoas por trás das mudanças sociais que chamamos de “ascensão" desistiram da universidade ou nunca entraram nela.
Em seu novo livro, “A riqueza de poucos beneficia todos nós?", o senhor reflete sobre as desigualdades sociais. Qual é o papel da educação nesse contexto?
Zygmunt Bauman: O sistema universitário de hoje foi incorporado pela economia de mercado capitalista. Ele serve como um outro mecanismo na reprodução de privilégios e aprofundamento das desigualdades sociais. Como diz Fareed Zakaria (escritor americano), enquanto um rapaz de 18 anos da Califórnia recebia a melhor educação possível nos anos 60 “sem qualquer custo", no ano passado os alunos precisavam pagar uma taxa de matrícula de US$ 12.972 se tivessem nascido no estado; se não, o valor sobe para US$ 22.878 (sem incluir custo de moradia e alimentação; o valor total do momento da matrícula até o diploma ficaria perto de US$ 50 mil por ano para não residentes). Poucos entre os milhões de pais amorosos e cuidadosos têm possibilidades de garantir um valor dessa magnitude.
The Danger of a Single Story
"Our lives, our cultures, are composed of many overlapping stories. Novelist Chimamanda Adichie tells the story of how she found her authentic cultural voice -- and warns that if we hear only a single story about another person or country, we risk a critical misunderstanding." TED Talks
Capacetes Coloridos
Documentário apresentado como trabalho final de graduação pela aluna Paula Constante Silva Santos na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo em 4 de Agosto de 2007. Compara o canteiro de obras da USP Leste e do Conjunto Habitacional da Cidade Tiradentes realizado em Mutirão.